A Recepta Biopharma, que produz moléculas para o tratamento do câncer, estabeleceu uma parceria com a indústria suíça 4-Antibody AG e com o Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer para tanto. Seguindo o mesmo caminho, a Cristália produz dois mAbs que entram agora em fase pré-clínica (de testes em animais). Esse tipo de anticorpo se liga às células de defesa T e, com isso, destrava o sistema imunológico humano para que ele passe a reconhecer e atacar as células tumorais.
Segundo um artigo publicado na edição de março da revista Nature Biotechnology, além da 4-Antibody AG, as outras únicas empresas que desenvolvem imunomoduladores no mundo são a GlaxoSmithKline (GSK), a Medley e a Bristol-Meyers Squibb.
“Estamos no início de nossa operação e pretendemos dar uma grande contribuição, em parceria com o Instituto Ludwig e a 4-Antibody AG, tanto em relação ao desenvolvimento de linhagens celulares para a produção de anticorpos como na condução de testes clínicos”, disse José Fernando Perez, presidente da Recepta e ex-diretor científico da FAPESP, durante a mesa-redonda sobre “Ciência, tecnologia e inovação na saúde”, na reunião magna da Academia Brasileira de Ciências (ABC), no Rio de Janeiro, em 8 de maio.
Coordenada por Eduardo Moacyr Krieger, vice-presidente da FAPESP, a mesa-redonda reuniu, além de Perez, Luiz Eugênio de Souza, professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA), e Ogari Pacheco, presidente da Cristália.
A proposta do encontro foi debater o estágio atual da pesquisa e desenvolvimento nas indústrias farmacêuticas brasileiras e a necessidade de estimular os investimentos em ciência, tecnologia e inovação no setor de saúde por meio do estabelecimento de parcerias entre empresas e universidades e instituições de pesquisa.
“A produção científica brasileira em saúde é semelhante à internacional, e é a área que a mais demanda investimentos em pesquisa no país – a FAPESP, por exemplo, destina tradicionalmente entre 25% e 28% de seu orçamento para projetos de pesquisa em saúde. Por essas razões, é muito importante identificarmos quais os principais desafios enfrentados pelo setor para transformar o conhecimento gerado em inovação”, disse Krieger.
Na avaliação dos palestrantes, a entrada da Recepta Biopharma e da Cristália no segmento de produtos biotecnológicos ilustra a mudança de foco e a importância que a inovação passou a ter para as indústrias farmacêuticas brasileiras nos últimos anos com o advento da política de medicamentos genéricos.
Implementada no Brasil no início dos anos 2000, a política de medicamentos genéricos teve o mérito de possibilitar que algumas indústrias farmacêuticas brasileiras crescessem exponencialmente e pudessem competir com as multinacionais, além de estimular a formação de profissionais para atender ao aumento da demanda do setor, afirmaram os palestrantes.
Por outro lado, ela gerou um enorme déficit na balança comercial brasileira – porque praticamente toda a produção de medicamentos genéricos é feita com insumos importados –, além de uma briga entre as empresas para aumentar suas participações nesse mercado.
“Começamos a melhorar nos últimos anos algumas moléculas conhecidas com o objetivo de aumentar nossa participação de mercado e nos tornarmos mais competitivos em outros segmentos de mercado, além dos genéricos”, disse Pacheco, da Cristália.
Após seis anos de pesquisas, a empresa sintetizou o carbonato de iodenafila – princípio ativo do medicamento Helleva, lançado no final de 2007, e a quarta molécula usada hoje no mundo para o tratamento da disfunção erétil. As outras três são o citratro de sildenafila, utilizado no Viagra, da Pfizer; o tadalafila, princípio ativo do Ciallis, fabricado pela Eli Lilly; e o vardenafil, usado no Levitra, da Bayer.
A empresa sediada em Itapira, no interior de São Paulo, e detentora de 54 patentes também pretende inaugurar, até o fim deste ano, uma fábrica de princípios ativos oncológicos para produzir mAbs, outra de biofármacos e uma terceira de peptídeos. “Os dois mAbs que estamos desenvolvendo falam português com sotaque caipira”, brincou Pacheco.
ESTUDOS AVANÇAM PARA DESCOBERTA DE NOVA TERAPIA CONTRA ANEMIA CONGÊNITA
O resultado são infecções frequentes, sangramentos e anemia grave. O objetivo dos pesquisadores é encontrar, no futuro, um meio de transformar células-tronco pluripotentes induzidas (IPS, na sigla em inglês) em células-tronco hematopoiéticas – que têm a capacidade de formar todas as células do sangue –,para então infundi-las nos pacientes e promover regeneração da medula. Atualmente, a única opção terapêutica nos casos de anemia a plástica congênita é o transplante de medula com doador, mas apenas 25% dos afetados encontram um voluntário compatível. No Brasil, estima-se o surgimento de 400 novos casos da doença por ano. O estudo foi realizado por pesquisadores do Centro de Terapia Celular (CTC) – um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) da FAPESP – na Faculdade de Medicinade Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP), e contou com a parceria de cientistas dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH), dos Estados Unidos.
Os resultados foram descritos na edição mais recente do The Journal of Clinical Investigation. O método de reprogramação celular usado foi descrito em 2006 por Shinya Yamanaka, daUniversidade de Kyoto, no Japão, e consiste em inserir em uma célula adulta certas proteínas que alteram a expressão do genoma celular. “Esses quatrofatores de transcrição descobertos por Yamanaka ativam genes relacionados aoestágio embrionário da célula e desligam outros genes que deveriam estar ativosapós o amadurecimento celular. Mas não sabíamos se era possível fazer essareprogramação em portadores da mutação genética causadora de anemia aplástica”,contou Rodrigo Calado, pesquisador do CTC que coordenou a investigação. Segundo Calado, a aplasia de medula também pode ser de origem autoimune.
Nesse caso, o próprio sistema imunológico destrói as células da medula responsáveis pelaprodução do sangue e o tratamento é feito com medicamentos imunossupressores. Mas, no caso dos pacientes que participaram da pesquisa, a causa da doença é um defeito no gene responsável pela síntese de uma enzima chamada telomerase, fundamental para manter a capacidade de proliferação celular. “Nas pontas dos cromossomos existem estruturas chamadas telômeros. Eles servem para proteger o DNA, assim como o plástico presente na ponta dos cadarços. Toda vez que a célula se divide, os telômeros diminuem de tamanho, até um momento em que a célula não consegue mais se proliferar e morre ou entra em senescência (perde a capacidade de se dividir). Isso está relacionado ao processo de envelhecimento”, explicou Calado.
Mas a enzima telomerase é capaz de manter o comprimento dos telômeros intacto mesmo após adivisão celular. Por essa razão, precisa estar altamente expressa na fase embrionária e, durante toda a vida, nas células-tronco, que estão em constante divisão. Esse é o caso das células da medula óssea. Nos pacientes com a mutação genética, como não há telomerase suficiente, as células hematopoiéticas sofrem uma espécie de envelhecimento precoce e não conseguem proliferar adequadamente. Outras partes do corpo também são afetadas e,frequentemente, essas pessoas sofrem de cirrose hepática ou fibrose pulmonar. “Um dos nossos objetivos era justamente ver o que acontecia com os telômeros durante o processo de reprogramação celular. Teoricamente, eles deveriam ficar mais longos, já que a célula passa por uma espécie de rejuvenescimento, ou seja,volta a um estágio anterior de seu desenvolvimento”, disse Calado.
Para fazer essa verificação, os cientistas reprogramaram as células da pele de dois grupos de pacientes: portadores de anemia aplástica com a mutação genética e voluntários saudáveis que serviram de controle. “Pudemos observar que, no grupo controle, os telômeros dobraram de tamanho após a reprogramação celular. Já nas células com o gene mutante eles continuaram praticamente iguais”, contou o pesquisador. Outro fenômeno observado pelo grupo foi que, ao reduzir o nível de oxigênio nas estufas onde as células pluripotentes estavam armazenadas, o tamanho dos telômeros aumentou20% nos dois grupos após um mês.
“Reduzimos aconcentração de oxigênio de 21%, presente no ar ambiente, para 5%. Isso induziua expressão de uma proteína chamada HIF, que por sua vez aumentou a síntese datelomerase. Além disso, com menos oxigênio, o DNA sofreu menos oxidação e houvemenor produção de radicais livres”, contou Calado.
Embora otrabalho tenha levantado uma série de resultados inéditos e promissores, ainda há muitas peças do quebra-cabeça a serem encontradas antes que essa linha de pesquisa se torne uma terapia possível de ser testada em humanos. Um dos primeiros obstáculos a serem superados é descobrir um meio de induzir apluripotência nas células adultas sem a necessidade de usar um vírus comovetor. “Em nossa pesquisa, assim como na de Yamanaka, introduzimos em um vírus os genes responsáveis pela expressão das quatro proteínas necessárias para reprogramar a célula. O vírus então se integra ao cromossomo e a célula passa a sintetizar esses fatores de transcrição. Alguns grupos tentaram incluir diretamente os genes nos cromossomos das células, mas o resultado não foi tão eficiente”,contou Calado.
A parte do DNA viral responsável por causar doenças é retirada antes do procedimento. Ainda assim, é consenso entre os cientistas que as células pluripotentes obtidas poressa técnica não devem ser testadas em humanos por causa do risco de induzir aformação de tumores. “Essas células já foram testadas em animais e, em alguns casos, houve desenvolvimento de tumores.As células-tronco obtidas de embriões já foram aplicadas em humanos e também houve casos de câncer”, contou Calado.